Por: AFP – A Suprema Corte dos Estados Unidos ouviu nesta quarta-feira, 04, os argumentos orais sobre o acesso de menores transgêneros a tratamento médico para mudança de sexo. O debate, considerado um dos mais importantes para a população LGBTQIA+ na Justiça americana, ocorre em um contexto de avanço do conservadorismo no país e de um acirrado debate público sobre o papel que a identidade de gênero deve desempenhar em questões tão variadas como esportes, banheiros e pronomes.
Em particular, os juízes da Suprema Corte examinaram uma lei adotada em 2023 pelo estado sulista do Tennessee, governado pelos republicanos, que proíbe que crianças e adolescentes que não se identifiquem com seu gênero de nascimento tenham acesso a bloqueadores de puberdade e tratamentos hormonais de transição.
Ao final da audiência, os magistrados pareciam tender para a manutenção da lei do Tennessee, com ao menos cinco votos garantidos, e alguns deles dizendo que os julgamentos sobre evidências científicas contestadas devem ser feitos pelos legisladores e não pelos juízes, segundo o New York Times.
“A Constituição deixa essa questão para os representantes do povo, e não para nove pessoas, nenhuma das quais é médica”, afirmou o presidente da Suprema Corte, John G. Roberts Jr.
A juíza Ketanji Brown Jackson, por sua vez, disse que deixar a questão para os estados era uma abdicação alarmante de responsabilidade.
“De repente, fiquei bastante preocupada’, afirmou, acrescentando que os tribunais devem avaliar a constitucionalidade das leis contestadas com base em proteções iguais.
O argumento, que durou cerca de duas horas e meia, discutiu as abordagens de outras nações, a importância de um precedente que proteja os trabalhadores transgêneros e o papel dos direitos dos pais. Mas a questão central na qual os juízes se concentraram foi se a lei do Tennessee fazia distinções com base no sexo, o que a sujeitaria a uma forma exigente de análise judicial.
Mais de 20 outros estados americanos têm leis semelhantes que poderiam ser afetadas. A decisão do tribunal, esperada para junho, quase certamente produzirá uma declaração importante sobre os direitos dos transgêneros.
Protestos em frente à Corte
Os defensores da lei do Tennessee se reuniram do lado de fora do tribunal, no centro de Washington, antes dos argumentos orais, segurando cartazes com os dizeres “Stop the Harm” (Pare o dano), “Let Children Grow Up” (Deixe as crianças crescerem) ou “Health Matters” (A saúde é importante).
As crianças e suas famílias, um ginecologista de Memphis e o governo do presidente democrata Joe Biden, que está deixando o cargo, denunciam a natureza “discriminatória” da lei do Tennessee. Eles alegam que ela viola uma disposição da Décima Quarta Emenda da Constituição sobre igualdade porque priva as pessoas transgênero do acesso ao tratamento autorizado para outras pessoas.
“Não importa o que os pais decidam que é melhor para seus filhos. Não importa o que os pacientes escolheriam para si mesmos. Não importa se os médicos acreditam que esse tratamento é essencial [para seus pacientes]”, disse a advogada do governo Biden, Elizabeth Prelogar, aos nove juízes do tribunal. “A lei não leva em conta o que as pessoas afetadas ou seus médicos pensam”.
Chase Strangio, advogado da União Americana pelas Liberdades Civis, descreveu o caso como um dos mais importantes para a população LGBTQIA+ examinados pela Suprema Corte. Strangio é o primeiro advogado abertamente transgênero a argumentar perante a Suprema Corte, de maioria conservadora.
“Minha presença na Suprema Corte como advogado transgênero é possível porque tive acesso ao tratamento médico examinado”, escreveu ele em um artigo publicado na terça-feira no New York Times.
A questão é controversa no país, onde o presidente eleito Donald Trump prometeu impor uma proibição federal de acesso a esse tratamento para menores transgêneros e restringi-lo para adultos. Hoje, cerca de um terço dos adolescentes que se identificam como transgêneros vivem em estados que têm acesso limitado a medicamentos bloqueadores da puberdade e terapias hormonais, de acordo com uma estimativa do Williams Institute da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia (UCLA).
A legislação do Tennessee, conhecida como SB1, foi sancionada em março de 2023, com o objetivo “proteger a saúde e o bem-estar dos menores” ao proibir procedimentos médicos “que possam incentivar os menores a desconsiderar seu gênero”. O procurador-geral do Tennessee, Jonathan Skrmetti, afirma que a legislação tem o objetivo de “proteger os menores”.
Em abril, a Suprema Corte permitiu que uma proibição semelhante em Idaho entrasse em vigor enquanto o processo legal continua. De acordo com a lei de Idaho, os profissionais médicos que fornecerem tratamento a menores, incluindo bloqueadores de puberdade, terapia hormonal ou cirurgia, podem pegar até 10 anos de prisão.
‘Peões políticos’
Os bloqueadores de puberdade têm sido usados em adolescentes que desejam fazer a transição de gênero para retardar o início de mudanças físicas indesejadas. Seus defensores argumentam que o processo pode salvar a vida de crianças que lutam contra a disforia de gênero.
Kelley Robinson, presidente da Human Rights Campaign, que defende os direitos LGBTQIA+, acredita que a lei do Tennessee e outras semelhantes em estados governados por republicanos transformam os jovens trans em “peões políticos”.
“Nenhum político deveria poder interferir nas decisões que devem ser tomadas por famílias e médicos, mas é exatamente isso que essas proibições discriminatórias permitem”, afirma Robinson. “Quase todas as principais organizações médicas concordam [que a afirmação de gênero] não é uma declaração política, é um cuidado médico que pode prevenir a depressão, reduzir o risco de suicídio e ajudar as crianças a prosperar. [É] assistência médica, pura e simples”.
Nos últimos anos, direitos das pessoas transgêneros têm feitos parte das “guerras culturais” entre republicanos e democratas. Um tema muito usado na campanha eleitoral deste ano, foi o debate se mulheres transgêneros devem ter permissão para usar banheiros femininos e participar de esportes femininos.