Visita a uma aldeia munduruku confirma: indígenas se sentem abandonados pelo governo Lula. Dragas, garimpeiros, contaminação por mercúrio são duro quotidiano na Amazônia. E no Cerrado o desmatamento avança rápido.
História de Philipp Lichterbeck (Deutsche Welle) –
Precisei de dois dias para chegar do Rio de Janeiro à aldeia Sawré Aboy, à margem do rio Jamanxim. De avião até Santarém (PA), depois de picape até Itaituba, pelo asfalto, daí por uma estrada de terra até um pequeno ancoradouro no Tapajós. Lá peguei um barco rio abaixo, mais ou menos uma hora e meia, antes de virar para o Jamanxim, em cuja margem, no meio da floresta amazônica do Pará, fica a aldeia do povo munduruku, com seus cerca de 60 habitantes.
Ela se localiza na reserva indígena Sawré Muybu, delimitada cinco anos atrás, mas não homologada até agora. “A gente tinha grandes esperanças de que o Lula fosse finalmente assinar a homologação”, comentou comigo o cacique da aldeia, Jairo Saw Munduruku. “Continuamos esperando.”
Enquanto isso, garimpeiros de toda parte invadem o território indígena à procura de ouro. “Jamanxim acima tem um monte das dragas deles”, relata o cacique. Já no Tapajós eu as avistei aqui e ali: plataformas de ferro em parte gigantescas, de dois andares, monstruosas.
Elas sugam o fundo dos rios 24 horas por dia e devolvem a lama depois de a água ter passado pelos sistemas de filtragem. “Antes o Jamanxim era claro e verde, a gente podia ver os peixes”, recorda Jairo Saw. Hoje a água suja vai serpenteando lenta, marrom e opaca.
Pior ainda é a contaminação dos seres vivos, no rio e em volta, com o mercúrio empregado pelos mineradores. Os indígenas são especialmente afetados, pois sua principal fonte de proteína são os peixes.
As taxas do metal pesado que os cientistas detectaram nas amostras de cabelo dos habitantes de Sawré Aboy são tão alarmantemente altas que se pode considerar quase toda a população intoxicada. Mercúrio desencadeia danos neurológicos severos, e “as crianças são quem mais sofre”, confirma o cacique.
Abandonados por Lula
Minha impressão, depois de passar três dias com os munduruku da reserva Sawré Muybu, foi que os nativos se sentem abandonados pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Agora nós temos um Ministério dos Povos Indígenas com uma ministra indígena”, comenta Jairo Saw. “Também a Funai tem uma chefe indígena. Mas a gente nota que elas não têm nenhum poder.”
É uma queixa que se escuta muito por estes dias, não só partindo dos indígenas, mas também de ambientalistas. Empossado para finalmente acabar com os ataques ao meio ambiente e aos povos indígenas do Brasil que eram quotidiano brutal na era Bolsonaro, o governo Lula faz pouco.
Já desde o início de 2024, por exemplo, os funcionários do Ibama estão em greve por acharem, com razão, que, diante do risco e das dificuldades que seu trabalho envolve, são mal remunerados e sofrem falta de equipamento e de pessoal.
Lula – que se acha tão bom mediador ao ponto de poder convencer o ditador Vladimir Putin a parar com sua inescrupulosa campanha de conquista na Ucrânia – aparentemente não tem interesse em resolver a disputa com os funcionários do Ibama. Nesse ínterim a greve causa enormes danos ao meio ambiente e ao país, pois os criminosos ambientais não são perseguidos, e a madeira extraída legalmente não pode ser certificada.
Agrava-se a suspeita de que, antes das eleições de 2022, o PT – tradicionalmente não muito amigo do meio ambiente nem dos indígenas – estava apenas aplicando retórica eleitoral para obter os votos dos movimentos sociais. Lula também sabia muito bem o que a comunidade internacional queria escutar dele, perante a crise climática: “Eu vou proteger a floresta!”
MPI se mostra impotente
O fato é que, se sob Lula o desmatamento recuou na Amazônia, em direção ao sudeste ele se intensificou. Segundo medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), desde 2019 o desmatamento do Cerrado vem crescendo vertiginosamente: em 2023 o bioma perdeu 11 mil quilômetros quadrados, a maior cifra desde 2015.
O fato de essa destruição não se dever apenas a ações ilegais – mas ser também decorrente de um modelo agrário equivocado, voltado para a exportação e a monocultura – não a torna menos grave.
Quem, quatro anos atrás, responsabilizava Jair Bolsonaro pelo aumento do desmatamento no Brasil, precisa agora perguntar a Lula em que o seu governo está agindo melhor. O fato é que em 2024 as queimadas no Pantanal já superam de longe o pior ano da história: a área queimada até junho ultrapassa 530 mil hectares, mais que o dobro do registrado em 2020, quando Bolsonaro era presidente.
Segundo o Inpe, apenas nas duas primeiras semanas de julho a área da Amazônia com avisos de desmatamento mais do que duplicou em relação ao mesmo período de 2023. O Greenpeace relata que no primeiro semestre os garimpeiros devastaram cerca de 417 hectares dos territórios indígenas dos kayapó e munduruku (Pará) e dos yanomami (Amazonas e Roraima).
Apenas na última semana e meia, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) já registrou ataques de produtores rurais e seus capangas a povos e territórios indígenas em três estados, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul.
Embora em todos os casos o novo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) tenha apelado por uma intervenção federal, até agora nenhum representante do governo compareceu para investigar. É o caso de se perguntar para que Lula criou o MPI, então, se ele não dispõe de autoridade nem competência para encontrar uma solução para tais casos.
“Riqueza de verdade é um rio limpo”
Tampouco é segredo que Lula apoia a extração de petróleo na foz do rio Amazonas, projetada pela Petrobras e classificada por ambientalistas como potencialmente catastrófica. É o equivalente brasileiro do grito de “Drill, baby, drill!” (Perfura, baby perfura!) do candidato presidencial americano Donald Trump. É claro, Lula nunca se expressaria assim. Mas, no fim das contas, o resultado é o mesmo.
Em dezembro de 2023 – ironicamente apenas dias após a COP 28 – realizou-se no Brasil um megaleilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Nele se arremataram 602 novos lotes de exploração de petróleo, entre os quais 21 blocos na Bacia Amazônica, sendo mais da metade nas proximidades de territórios indígenas e quilombos.
Ambientalistas se referiam a um “leilão do fim do mundo”, porque era exatamente o contrário do que o governo Lula tinha anunciado na cúpula do clima: fazer parte do compromisso mundial de limitar o aquecimento da Terra em 1,5ºC.
No primeiro ano e meio do terceiro mandato de Lula, confirma-se que ele permanece o político desenvolvimentista que sempre foi: a questão é crescimento econômico a qualquer preço. Aparentemente continua lhe sendo entranho o conceito de sustentabilidade, a ideia de que progresso social e riqueza não se refletem unicamente em cifras de investimentos e volumes de exportação.
Na despedida, o cacique Jairo Saw Munduruku me disse: “Quando os brancos veem a floresta, eles sentem ganância. Eu nunca pensei em destruir a floresta. Riqueza de verdade é um rio limpo.”
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Philipp Lichterbeck