Embora o Partido Republicano tenha historicamente representado valores americanos conservadores, como o respeito pela tradição, pela família e pela religião, junto a ideias de liberdade individual e liberalismo econômico, a aparição de Trump na arena política há uma década provocou uma reviravolta. Com Trump, criou-se um movimento dentro do partido com um forte componente político-religioso, que apela a uma base importante do eleitorado americano.
Da Redação * – Localizado no sul dos Estados Unidos, o Cinturão da Bíblia é um extenso território que inclui pelo menos nove Estados de maioria protestante, nos quais Trump venceu nas últimas eleições presidenciais. E assim se espera que aconteça novamente em 5 de novembro.
É um cinturão majoritariamente vermelho — cor que identifica o Partido Republicano —, no qual a influência política dos líderes religiosos tem crescido nos últimos anos, e cuja “fivela” está no Estado conservador de Oklahoma.
‘Trump foi enviado por Deus’
Ao estabelecer pequenas igrejas nas comunidades mais pobres, os pastores do Cinturão da Bíblia têm muita influência entre os crentes, e muitos são voltados para o setor mais conservador do Partido Republicano.
E Trump se tornou o melhor veículo para este grupo conquistar avanços nos últimos anos.
Mas o pastor e senador Dusty Deevers acredita que Trump não vai tão longe quanto ele gostaria. “Está inclinando o Partido Republicano para a esquerda”, argumenta. Por isso, quando pergunto em quem ele vai votar, ele me diz que ainda não tem certeza.
Outros pastores de Oklahoma, como Jackson Lahmeyer e Paul Blair, apoiam incondicionalmente o candidato republicano, assim como a maioria da população de Oklahoma.
“Trump foi enviado por Deus para governar este país”, explica por telefone Lahmeyer, fundador do grupo Pastors4Trump (“Pastores por Trump”), cujo objetivo é “mobilizar o bloco de eleitores evangélicos”.
Lahmeyer considera que “foi um milagre divino” que o ex-presidente tenha sobrevivido à tentativa de assassinato num comício em meados de julho. “Estávamos a um passo de uma guerra civil no nosso país.”
Ex-candidato ao Senado dos EUA por Oklahoma (ele perdeu a disputa para outro republicano), Lahmeyer se recusa a ser identificado como nacionalista cristão.
O pastor Paul Blair, líder da Igreja Batista Fairview em Edmond, um subúrbio de Oklahoma City, tampouco se define dessa maneira. Blair organiza campos de treinamento para pastores (Liberty Pastor Training Camps), onde estudam temas como a influência cristã no governo ou a defesa cidadã da liberdade, para que os líderes religiosos “pensem biblicamente em todas as áreas da vida, incluindo no âmbito do governo civil, da economia, da sexualidade humana, da caridade e da família”. Ele se define como um “pastor patriota” e acredita que seu país deveria regressar aos valores do momento da fundação, quando foi assinada a Declaração da Independência em 1776. “O governo não pode controlar a igreja”, diz o pastor, que foi candidato a senador por Oklahoma. “No entanto, os cristãos sempre influenciaram o governo”, acrescenta.
Blair acredita que Trump foi o vencedor legítimo das eleições de 2020 — e que as pessoas detidas por sua participação na invasão do Capitólio em janeiro de 2021 são “presos políticos”.
Uma esperança compartilhada pelos líderes políticos protestantes conservadores que lutam em seus congressos locais para legislar contra tudo o que consideram progressista, como a diversidade de gênero, a livre orientação sexual ou a defesa do aborto como um direito. Trump e seu candidato à vice-presidência, J. D. Vance, são as pessoas que personificam essa luta.
Trump e o aborto
Os seguidores do ex-presidente são gratos a ele, entre outras coisas, pela nomeação histórica, durante seu mandato, de três juízes para a Suprema Corte, garantindo uma maioria conservadora no mais alto órgão judicial do país por várias décadas.
Graças a essa maioria conservadora, a Suprema Corte acabou, em 2022, com o direito ao aborto que era garantido no país há quase meio século, deixando a decisão nas mãos de cada Estado.
O aborto é justamente um dos principais temas destas eleições, já que a ala mais conservadora do Partido Republicano, a que tem mais poder no Cinturão da Bíblia, não está satisfeita com o que foi alcançado — e defende, inclusive, uma lei que proíba a interrupção da gravidez em todo o país, algo que talvez seja possível se Trump voltar ao poder.
Como quase 40% da população americana se declara protestante, segundo o Pew Research Center, os republicanos se esforçam para tentar obter os votos daqueles que não conseguem perdoar os democratas por apoiar que as mulheres decidam livremente sobre a interrupção da gravidez, entre outras coisas.
Apesar de negar que vai buscar como presente uma proibição nacional do aborto, muitos crentes veem Trump como um candidato muito mais próximo da sua fé do que a democrata Kamala Harris.
Embora o Partido Republicano tenha historicamente representado valores americanos conservadores, como o respeito pela tradição, pela família e pela religião, junto a ideias de liberdade individual e liberalismo econômico, a aparição de Trump na arena política há uma década provocou uma reviravolta.
Com Trump, criou-se um movimento dentro do partido com um forte componente político-religioso, que apela a uma base importante do eleitorado americano.
Por exemplo, durante seu governo, Trump assinou um decreto para criar um novo gabinete na Casa Branca chamado Iniciativa de Fé e Oportunidades. “A fé é mais poderosa que o governo, e nada é mais poderoso que Deus”, disse ele ao assinar o documento.
Quando Trump perdeu as eleições em 2020, muitos pastores saíram dizendo que haviam roubado a presidência dele, e muitos se juntaram ao recém-formado movimento de direita radical ReAwaken America Tour, liderado pelo empresário de Oklahoma, Clay Clark.
Atualmente, eles continuam a organizar eventos com a participação de evangélicos, defensores de armas, anti-imigrantes, anti-LGBTQ+, anticomunismo e qualquer pessoa que sinta que seu estilo de vida está ameaçado — e que apenas Trump os representa.
Não é raro escutar ou ver cartazes nestes eventos com frases como “estamos em guerra” e “somos soldados de Deus”.
Os mesmos slogans que se repetem várias vezes nas redes sociais, a plataforma perfeita para a rápida propagação destas ideias num momento em que as organizações religiosas desenvolveram uma gigantesca indústria de comunicação online. Algumas dessas ideias estão incluídas no chamado Projeto 2025, a polêmica proposta radical de ex-assessores de Trump para reformular o governo federal e aspectos-chave da vida americana.
O projeto traça quatro objetivos principais: restaurar a família como peça central da vida americana; desmantelar o Estado administrativo; defender a soberania e as fronteiras da nação; e garantir os direitos individuais dados por Deus para viver livremente.
* Com Informações da BBC News Brasil