Da Redação – O Partido Comunista da China (PCC) está patrocinando uma série de iniciativas ao redor do mundo, incluindo o Brasil, como parte de uma ampla campanha para defender o governo chinês e promover sua propaganda. É o que mostra uma investigação do jornal The New York Times. A reportagem cita ainda um milionário americano de 69 anos que estaria no centro desta rede internacional.
Conhecido como um benfeitor socialista de causas ligadas à esquerda, Neville Roy Singham atualmente mora em Xangai, na China, e seria uma espécie de “laranja” do PCC: por meio de suas instituições de filantropia, baseadas nos Estados Unidos, ele atuaria como intermediário entre Pequim e diversas organizações estrangeiras.
De um centro de estudos em Massachusetts a um espaço para eventos em Manhattan, passando por um partido político na África do Sul a sites de notícia no Brasil e na Índia, o Times rastreou centenas de milhões de dólares para grupos ligados a Singham que misturam defesa progressista com pontos de discussão do governo chinês.
A lista inclui o Brasil de Fato, um site de notícias e uma agência de rádio brasileira fundado em 2003, que se apresenta como tendo “uma visão popular do Brasil e do mundo”, mas que, segundo o Times, intercala artigos sobre direitos à terra com elogios ao presidente chinês, Xi Jinping.
Outros, como o No Cold War, surgiram nos últimos anos. Há também o grupo antiguerra americano Code Pink, que mudou de posição com o tempo. O Code Pink já criticou o histórico de direitos da China, mas agora defende a internação de uigures predominantemente muçulmanos, que especialistas em direitos humanos rotularam de crime contra a humanidade.
Juntos, esses grupos são financiados por organizações sem fins lucrativos dos EUA com pelo menos US$ 275 milhões em doações.
‘Guerra sem fumaça’
Singham e seus aliados estão na linha de frente do que as autoridades do Partido Comunista chamam de “guerra sem fumaça”. Sob o governo de Xi, a China expandiu as operações da mídia estatal, uniu-se a veículos no exterior e cultivou influenciadores estrangeiros. O objetivo é disfarçar a propaganda como conteúdo independente, afirma o Times.
Os grupos de Singham produziram vídeos do YouTube que, juntos, acumularam milhões de visualizações. Eles também procuram influenciar a política do mundo real reunindo-se com assessores do Congresso americano, treinando políticos na África, apresentando candidatos nas eleições sul-africanas e organizando protestos, incluindo um em Londres que terminou em violência.
O resultado é um florescimento aparentemente orgânico de grupos de esquerda que reverberam os pontos de discussão do governo chinês, ecoam uns aos outros e são citados por sua vez pela mídia estatal chinesa.
O Times desvendou a rede de instituições de caridade e empresas de fachada usando registros corporativos e sem fins lucrativos, documentos internos e entrevistas com mais de duas dúzias de ex-funcionários de grupos ligados a Singham. Alguns deles, incluindo o No Cold War, não parecem existir como entidades legais, mas estão ligados à rede por meio de registros de domínio e organizadores compartilhados.
Nenhuma das organizações sem fins lucrativos de Singham se registrou sob a Lei de Registro de Agentes Estrangeiros, como é exigido de grupos que buscam influenciar a opinião pública em nome de potências estrangeiras. Isso geralmente se aplica a grupos que recebem dinheiro ou ordens de governos estrangeiros. Especialistas jurídicos disseram que a rede de Singham era um caso incomum.
A maioria dos grupos da rede de Singham se recusou a responder às perguntas do New York Times. Três disseram que nunca receberam dinheiro ou instruções de um governo ou partido político estrangeiro.
Singham, por sua vez, não ofereceu respostas substantivas às perguntas do Times, limitando-se apenas a dizer que cumpria as leis tributárias dos países onde atuava e que não trabalhava sob a direção do governo chinês.
“Nego categoricamente e repudio qualquer sugestão de que sou membro, trabalho, recebo ordens ou sigo instruções de qualquer partido político ou governo ou seus representantes”, escreveu ele em um e-mail. “Sou guiado apenas por minhas crenças, que são minhas opiniões pessoais de longa data.”
De fato, seus associados dizem que Singham há muito admira o maoísmo, a ideologia comunista que deu origem à China moderna. Ele elogiou a Venezuela sob o presidente esquerdista Hugo Chávez como um “lugar fenomenalmente democrático”. E uma década antes de se mudar para a China, disse que o mundo poderia aprender com sua abordagem de governo.
Apesar disso, a linha entre ele e o aparato de propaganda chinês é tão tênue que Singham divide um espaço de escritório com uma empresa cujo objetivo é educar os estrangeiros sobre “os milagres que a China criou no cenário mundial”. Os grupos também compartilham funcionários.
Financiamento secreto
Enquanto outros magnatas fazem questão de estampar seus nomes em fundações, Singham enviava seu dinheiro por meio de um sistema que ocultava as doações.
No centro da trama estão quatro novas organizações sem fins lucrativos com nomes genéricos como “United Community Fund” (Fundo Comunitário Unido) e “Justice and Education Fund” (Fundo para a Justiça e Educação), sobre as quais sabe-se muito pouco e cujos endereços listados aparecem apenas como caixas de correio da loja UPS, que oferece serviços postais para consumidores individuais e pequenas empresas, em Illinois, Wisconsin e Nova York.
Como os grupos sem fins lucrativos dos EUA não precisam divulgar doadores individuais, essas quatro organizações funcionaram como um gêiser financeiro, segundo o New York Times, lançando uma chuva de dinheiro de uma fonte invisível.
Além disso, como a rede é construída com base em grupos sem fins lucrativos dos EUA, Singham pode ter direito a deduções fiscais por suas doações, disseram especialistas em impostos.
* Por Mara Hvistendahl, David A. Fahrenthold, Lynsey Chutel e Ishaan Jhaveri, The New York Times — Nova York