Agência Globo – O caso de Sheynnis Palacios tem sido único na história do concurso de beleza Miss Universo: de todas as mulheres coroadas como as mais belas do mundo ao longo de 71 anos, ela é a única que não retornou ao seu país de origem, Nicarágua, para celebrar sua vitória.
A jovem se estabeleceu em Nova York e tem viajado pelo mundo inteiro, enquanto tenta evitar nas entrevistas que concede as razões pelas quais não pôde voltar à sua pátria. No entanto, em 12 de maio, a proprietária da franquia de beleza, a tailandesa Anne Jakrajutatip, confirmou em um post no Instagram o “exílio indefinido” da modelo e de toda a sua família devido às “intenções cruéis” do regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo.
Palacios foi coroada Miss Universo em 18 de novembro de 2023 em El Salvador. Sua coroação teve vários marcos: foi a primeira nicaraguense e centro-americana a ganhar o concurso. Na madrugada de sua vitória, a Nicarágua explodiu em alegria, gritos e lágrimas.

Desafiando o estado policial mantido por Ortega e Murillo na Nicarágua desde 2018, milhares de nicaraguenses saíram às ruas e desenterraram a bandeira nacional, que é criminalizada pelo governo para as celebrações. Eles voltaram a entoar os cantos que ecoavam nos protestos sociais de 2018, nos quais Palacios participou, os mesmos que foram desarticulados com violência letal por parte da polícia e dos paramilitares.
Embora após a coroação o governo de Ortega e Murillo tenha tentado se aproximar de Palacios através de sua família, inclusive publicando um comunicado de felicitação, o casal presidencial não conseguiu se aproximar da Miss Universo, muito menos capitalizar politicamente o ocorrido.
Diante disso, iniciaram uma feroz perseguição contra a diretora da franquia Miss Universo na Nicarágua, Karen Celebertti. O regime exilou a mulher e a acusou dos crimes de “conspiração e traição à pátria”, que implicam a perda da nacionalidade e a confiscação de bens. Além disso, o marido de Celebertti e um de seus filhos foram presos e, posteriormente, em janeiro passado, também foram exilados.
Essa perseguição gerou muita intriga sobre a situação de Palacios, especialmente por sua família que continuava na Nicarágua. Semanas antes da publicação de Anne Jakrajutatip, foi divulgado extraoficialmente que a família da miss conseguiu chegar aos Estados Unidos com o Parole Humanitário. A informação foi confirmada pela tailandesa na publicação do Instagram, que, horas depois de publicada, foi editada.
A postagem inicial no Instagram foi escrita por Jakrajutatip por ocasião do Dia das Mães, comemorado em 12 de maio. A postagem inicial afirmava: “Você é um dos maiores exemplos da menina borboleta com as asas quebradas que nunca desistiu das más ações, intenções desrespeitosas e cruéis de qualquer autoritário […]. Você é corajosa, forte e inteligente, mas também muito humilde e trabalha duro para cuidar de sua mãe e de toda a família que agora está fora de sua pátria. Obrigada por honrar minha liderança, gestão e direção de consultoria ao ponto de agora me chamar de ‘Mãe Ana'”.
A organização Nicaraguenses en el Mundo (NEEM), liderada pela defensora dos direitos humanos Haydée Castillo, solidarizou-se com Palacios e lamentou seu exílio forçado. “Eu quero lamentar profundamente essa decisão do regime, porque o deslocamento forçado constitui um crime contra a Humanidade”, disse Castillo, que acredita que a miss pode solicitar asilo político nos Estados Unidos.
Uma miss para o regime sandinista
A coroação de Palacios colocou o regime sandinista em uma posição desconfortável, especialmente seu aparato de propaganda. Dias antes do concurso, a Miss Nicarágua foi alvo de ataques nos programas de fofoca do Canal 13, dirigidos pelos filhos do casal presidencial.
A apresentadora Francelyz Sandoval chamou a jovem de “miss Buñuelos”, menosprezando o negócio familiar da agora Miss Universo. No entanto, o que mais incomodou o oficialismo foi uma foto viral em que Palacios é vista com bandeiras azul e branca ao lado do cantor nicaraguense Carlos Mejía Godoy, participando das marchas civis que ocorreram no país durante a rebelião de 2018.
Eles começaram a chamá-la de “miss Tranquera”, em referência às barricadas erguidas naquele ano pelos manifestantes para se protegerem das incursões da polícia e dos paramilitares, que deixaram mais de 350 pessoas mortas.
Do lado dos críticos do regime, a coroa de Palacios foi percebida como um acontecimento “histórico” e que oxigena “simbolicamente” um país mergulhado desde 2018 no desespero, devido à perseguição política e à crise econômica que empurrou quase um milhão de pessoas para outros países, especialmente Estados Unidos e Costa Rica.
Após a perseguição à franquia Miss Universo na Nicarágua, o regime de Ortega e Murillo criou um concurso no qual as candidatas a miss agradecem “ao comandante Ortega e à companheira Rosario” quando se apresentam nas passarelas.